11.5.06

A(S)SOMBRA DA LOUCURA


Uma pequena reflexão sobre um trecho de Michel Foucault. Diz assim: “a história da loucura seria a história do Outro – daquilo que, para uma cultura é ao mesmo tempo interior e estranho, a ser portanto excluído (para conjurar-lhe o perigo interior), encerrando-o porém (para reduzir-lhe a alteridade)”[1].
A partir do louco como o Outro, como estranheza, e como encerramento em um simbolismo que reduz e alteridade, vejamos como isso se configura no discurso atual.
Uma das implicações simbólicas mais explícitas do contemporâneo é a resposta extremamente individualista que os indivíduos têm dado ao convívio com a semântica empresarial, que irriga constantemente o discurso com sua lógica de concorrência, trustes, holdings e monopólios.
E, sabemos, é essa a ordem do discurso. O hábito que faz o monge. As condições de reprodução de um tipo de enunciação são inteiramente compartilhadas no desenrolar do tempo, no desdobrar-se encadeado – e sutilmente atento aos desmandos – do movimento infinito das falas e dos sintomas.
Ora, o que significa o outro para o individualista? Quem aparece como espelho para o contemporâneo das fusões de mercado?
É curioso constatar que a redução de alteridade que de fato “sofria” o louco anterior (não estamos falando de um sofrer melancólico, porque se tratava de um tipo singular de louco, significado pelos ditames estruturais da medicina) em nada lhe afetava, na medida em que sua própria condição lhe excluía das afetações normalizadas – e normatizadas – que acompanhavam os que viviam sob as reconfortantes vestes da comunidade.
Isso criava uma espécie de papel fundamental para o louco pré-moderno: ele era o que não se queria ser, e o que não se queria ter por perto. O não-ser-louco repousava, pois, como sentido latente de certa harmonia que re-conectava o ritual de convivência no cotidiano dos comuns-normais, que projetavam o Outro-louco nas sombras de seus espelhos de alteridade.
Mas o que seria o comum para o que convive com o individualismo como regra? Para o individualista, há como refletir-se a alteridade? As sombras da loucura assombram o indivíduo contemporâneo em seu próprio reflexo social, na medida em que só lhe vale, de fato, o si-mesmo de suas projeções totalizantes.
Quem é o louco, então, para o eu atual? O louco não é o Outro, mas os outros. Mais que isso: são todos os outros. O que, portanto, normaliza a marginalização completa da alteridade.
A diferença acaba ficando nítida: na dialética da normatização pré-moderna, não havia vencido, porque o grande crime, de fato, é incluir o louco. Na atual, a norma é a do ‘cada um por si’. Quando o que se consegue ver é um conjunto de loucos incluídos, quando as grades já não mais existem e as sombras não mais refletem, mas assombram, configura-se, então, o desfalecimento da alteridade para o indivíduo. É a antítese que não mais nega, mas amedronta. É a exclusividade que exclui.


[1] Michel Foucault, As Palavras e as Coisas, Prefácio: p. XXII.

3 comentários:

Anônimo disse...

Celo, seus textos são realmente um convite a reflexão profunda. Você, com suas metáforas, faz isso como ninguém. Parabéns! De quem te admira muito e tem o privilégio de partilhar com você tanto conhecimento, Fá

marly paes disse...

NA REALIDADE QUERIA FAZER UM COMENTÁRIO SOBRE ESSE BLOGGER E DESSE MENINO MARCELO HENRIQUE, É UM GAROTO, COM UMA VISÃO DO MUNDO E DA VIDA.....UMA SUMIDADE (SUMIDADE MESMO, NÃO ASSUMIDADE)ENFIM...ESTOU ENCANTADA COM ESSE MENINO...ESSA PÁGINA, SERÁ MINHA PRIMEIRA PÁGINA,(MEU LIVRO DE CABECEIRA)RSRSRSRS.
OBRIGADA POR SABER QUE EXISTEM JOVENS COM TANTA CAPACIDADE E INTELIGÊNCIA.
QUERO DIZER....GOSTO DE TUDO AQUI...TUDO MESMO..
AMO TUDO ISSO!!!

Marcelo Henrique Marques de Souza disse...

Obrigado pelas palavras carinhosas, Marly.

Na verdade, não sou tão garoto assim.. 33 já é um chãozinho..rs Mas enfim, que bom que as idéias estão atravessando fronteiras através desse meio virtual, e atingindo pessoas que valorizam os assuntos inteligentes. Assim, a troca fica sempre produtiva.

Volte sempre.

Beijão

PS: Vale só avisar que eu agora só posto no "Im-postura", que é meu blog oficial. O endereço é "www.im-postura.blogspot.com". É isso. Até a próxima.